{ Perigosas }
2023
livro de artista da série Mulheres que Leem
encadernação: Nó Processos
designer: Virgílio Neto
Em 2023 estive na Cité Internationale des Arts, em Paris, pelo programa de Residência Artística FAAP. Durante aqueles meses, estive coletando e catalogando imagens de pinturas que retratavam mulheres lendo, a fim de analisá-las e colecioná-las como possível matéria prima para a produção de trabalhos visuais. Foi nesse período que desenvolvi a ideia deste livro como um dos desdobramentos da pesquisa que lá realizei, sobre a iconografia da mulher como leitora.
Diversas são as características e naturezas dessas pinturas, bem como as formas como as mulheres foram retratadas no decorrer da história. Mesmo sendo abundantes em séculos passados, as representações da leitura feminina não refletiam a realidade das mulheres que mal tinham acesso à alfabetização e aos livros. Por muito tempo, aquelas que tinham o privilégio da leitura liam secretamente títulos considerados infames ou imorais. Em consequência de “más leituras" cortesãs foram exiladas da corte, donas de casa taxadas como loucas, “femmes savantes” tomadas como personagens cômicos em peças e caricaturas. Há uma linha consistente, que atravessa os séculos XVI a XIX na Europa, principalmente, em que a mulher que lê é representada associada ao perigo moral, ao incontrolável, à histeria, ao chamado “Bovarismo” e à inaptidão doméstica. Muitos são os textos escritos por homens ditando o que uma jovem mulher deveria ou não ler, restringindo-as ao livro das horas ou textos sobre o trabalho doméstico e excluindo romances e os chamados “mauvais livres”.
Essa pesquisa se estende em inúmeros tópicos que, nessa breve apresentação, não caberia serem esmiuçados. No entanto, é a partir dela e do convívio com essas imagens que surge Perigosas. Neste livro-obra apago as pinturas deixando a vista apenas as mãos das mulheres segurando seus livros, sejam eles religiosos, “mauvais livres”, ou, na maioria das vezes, livros cujos títulos desconhecemos.
Perigosas é um trabalho que envolve certa circularidade e busca colocar aquele que o segura no lugar daquelas mulheres retratadas; é quase como uma imagem dentro de outra, uma metaimagem: quando alguém o tem em mãos, pode ver-se segurando-o fisicamente, e nas páginas impressas, encontra a mesma ação em que está envolvido.
O que era (ainda é?) temido na leitura não está completamente ligado ao conteúdo do livro que se lê, mas nas associações, nos estímulos, no fluxo de ideias que derivam de uma leitura; está naquele momento em que tiramos os olhos da página e abandonamos a voz do autor e passamos a escutar a nossa própria. É nessa linha que gostaria que Perigosas transitasse: que essa coleção de imagens possa suscitar ao leitor as mais diversas questões, associações, estímulos e fluxos de ideias.